Obra-prima dissecada: O Exorcista (The Exorcist, EUA, 1973)

Postado por José Cláudio Carvalho

Direção: William Friedkin. Roteiro: William Peter Blatty. Com: Ellen Burstyn, Max von Sydow, Lee J. Cobb, Linda Blair, Kitty Winn, Jason Miller, Jack MacGowran, William O'Malley, Barton Heyman, Peter Masterson, Rudolf Schündler, Gina Petrushka, Robert Symonds, Vasiliki Maliaros, Wallace Rooney, Titos Vandis, Mercedes McCambridge. Duração original: 122 min. Distribuição: Warner Bros.




Quando, ainda no início de O Exorcista, Padre Lancaster Merrin (vivido pelo veterano Max Von Sydow) encara o demônio Pazuzu em um escaldante plano aberto, é possível perceber que um horror de proporções épicas está para acontecer. Assim como nos westerns de Sergio Leone, o diretor William Friedkin faz uso do recurso para simbolizar um desafio, o duelo entre o Bem e o Mal, que deixará tanto o padre quanto a audiência com os nervos em frangalhos.


Padre Merrin encara o demônio Pazuzu

Na época em que William Peter Blatty lançou seu liro mais famoso (baseado em um caso real), o impulso subsequente fora o de transformar o material impresso em celuloide. A Warner Bros. bancou o projeto, tendo o próprio autor como roteirista. A busca por um cineasta agnóstico, que não transformasse o filme em panfletagem religiosa, os levou a Friedkin. Egresso do bem-sucedido Operação França (The French Connection, 1971) e com os Oscars de Melhor Filme e Melhor diretor em mãos. Mas até que a direção fosse definitivamente acertada, outros candidatos foram sondados. Entre eles, John Boorman (diretor do péssimo O Exorcista II - O Herege, lançado em 1977) que abriu mão da vaga por considerar a história muito cruel.



William Friedkin em dois momentos ao lado de Linda Blir

Na trama, acompanhamos a produção de um filme em Georgetown. A atriz Chris McNeil (Ellen Burstyn) vive nos arredores de um seminário, juntamente com a filha Regan (Linda Blair). A garota, de apenas 12 anos, começa a desenvolver um comportamento estranho e antissocial. Um batalhão de especialistas, de neurologistas a psiquiatras , acompanham o caso da adolescente, submetendo-a a exames e tratamentos extenuantes - todos em vão. Assim, um dos médicos sugere que Chris procure "ajuda espiritual", pois se a menina acreditasse que estava possuída por alguma entidade, essa seria a melhor forma de libertá-la.




Damien Karras (Jason Miller) é o padre psiquiatra do seminário. Atormentado por não poder ajudar a mãe doente (em virtude dos próprios votos de pobreza), ele é interpelado pela atriz, que deseja realizar um exorcismo. Relutante, ele decide examinar Regan. Mas a princípio, os sinais de possessão não passam pelo crivo científico do sacerdote, e só a piora do quadro o leva a aceitar o desafio do ritual, cuja própria Igreja não acredita há tempos. Regan (ou o demônio que habita seu corpo) chama pelo padre Merrin, e ele é trazido do Iraque, onde participava de escavações arqueológicas. Com a fé extremamente abalada, Padre Karras se junta ao experiente Padre Merrin - que já havia feito outro exorcismo - para expulsarem o demônio Pazuzu da indefesa garotinha. A entidade se aproveita das fragilidades de Karras para atingi-lo, dificultando o prosseguimento do ritual, e isso torna a "batalha" mais interessante. Em um dado momento, Padre Karras tem que deixar seus próprios demônios de lado, para se concentrar na salvação de Regan.




Os personagens do longa são rigorosamente bem desenvolvidos. Há um rico background por trás das pessoas que rodeiam a garota endemoniada, e suas angústias convergem para a possessão de Regan. A própria mãe, divorciada e consumida pelo trabalho, encontra dificuldades para cuidar da filha adolescente, e quando sua garotinha explode em fúria, ela é tomada pelo mais profundo desespero. E é esse desespero que tira o Padre Karras (cuja mãe acaba por falecer) da inércia, em uma  tentativa de sentir-se capaz de fazer algo bom. Há profanações nas imagens de uma igreja e o assassinato de Burk Dennings (Jack MacGowran), amigo de Chris e diretor no filme no qual ela trabalha. Lee J. Coob entra em cena como o Tenente kinderman, investigando os macabros acontecimentos. A sensação de medo é reforçada pela fotografia outonal, e pontuada musicalmente pelo tema Tubular Bells, de Mike Oldfield.



Stephen King disse certa vez, que via a garotinha de O Exorcista rolando na lama de Woodstock. O comentário do autor é uma referência à "metáfora hormonal" contida no texto. E a possessão, uma representação da transformação sofrida com a chegada da adolescência. Exagero? Certamente que não. A obra de William Friedkin é aberta a interpretações, o que a tira do patamar de simples filme de terror, emergindo ao status de cinema "respeitável". Prova disso são os Oscars de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som, e ainda foi indicado em outras oito categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor,  Melhor Atriz (Ellen Burstyn), Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair), Melhor Ator Coadjuvante (Jason Miller), Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Edição. Embora não tenham concorrido à estatueta dourada, os efeitos especiais são extremamente eficientes, e não perdem em nada para a tecnologia atual.




O longa aportou nos cinemas em 1973, mas teve um relançamento em 2000, acrescido de cenas inéditas. O material não modifica a narrativa, mas acrescenta principalmente em sustos. A cena que mais chama a atenção é a que Regan desce as escadas imitando os trejeitos de uma aranha. O público compareceu novamente às sessões, mas já não houve a comoção gerada na época do lançamento original. Pessoas passavam mal, vomitavam, e há quem diga que ocorreu um aborto durante uma sessão do filme. Durante as filmagens, coisas sinistras aconteceram: baixas nos membros da equipe, avisos estranhos, incêndio no set, etc. O documentário O Temor a Deus (lançado no Brasil em uma VHS dupla comemorativa) detalha esses acontecimentos, bem como outras curiosidades dos bastidores - inclusive o tratamento draconiano que William Friedkin dispensava ao elenco.





Notas sobre a produção:

. O diretor John Boorman chegou a se oferecer para dirigir O Exorcista, mas posteriormente desistiu do projeto, por considerar a história cruel demais. Ele aceitou dirigir O Exorcista II - O Herege (1977), motivo de piada entre público e crítica.

. A atriz Ellen Burstyn aceitou atuar em O Exorcista com a condição de que sua personagem não dissesse a frase "I believe in the devil!" ("Eu acredito no demônio!"), contida no roteiro original. Os produtores atenderam o pedido e esta frase foi retirada da história.

. As atrizes Jane Fonda e Shirley MacLaine chegaram a ser sondadas sobre a possibilidade de interpretarem a personagem Chris MacNeil.

. Durante as filmagens, oito pessoas da produção morreram de forma não-explicada.

. William Friedkin consultava o Reverendo Thomas Birmingham sobre a possibilidade de exorcizar o set de filmagens. Em todas as vezes, o reverendo recusou o pedido, dizendo que isto causaria ainda mais ansiedade no elenco. Mas por diversas vezes ele visitou os sets para benzê-los e tranquilizar o elenco.

. O quarto onde grande parte do filme foi rodada teve que ser constantemente refrigerado, para que se pudesse capturar com exatidão a respiração gélida dos atores. Para tanto, foram usados quatro aparelhos de ar condicionado, todos ligados simultaneamente.

. Na sequência em que a personagem de Ellen Burstyn é arremessada para longe por sua filha possuída, a atriz bateu violentamente com o cóccix contra a cama e gritou de dor no mesmo instante. Esta cena foi filmada e mantida no filme.

. Indagada sobre o linguajar de calão que usa no filme, Linda Blair disse que não foi ela, mas o demônio.

. O endereço do apartamento mostrado no filme foi habitado por William Peter Blatty, autor do livro (igualmente assustador) em que se baseia a história, quando ainda era um estudade da Georgetown University.

. Inicialmente, a voz do demônio seria da própria Linda Blair. Entretanto, após 150 horas de trabalho em cima do som do filme, o diretor resolveu substituí-la pela voz de Mercedes McCambridge que, para fazer a voz do demônio, comeu ovos crus, tomou muito álcool e fumou diversos cigarros.

. A atriz McCambridge chegou a processar a Warner Bros., para que seu nome como a dona da voz do demônio entrasse nos créditos do filme.

. O Exorcista foi o primeiro filme de terror a ser indicado ao Oscar de melhor filme.

. Foi relançado nos cinemas americanos em 2000, com uma nova cópia, som digital e 11 minutos de cenas extras inseridas ao longo do filme.

. O Exorcista foi o primeiro de uma série de quatro filmes baseados nos personagens. Os demais foram O Exorcista II - O Herege (1977), O Exorcista III (1990) e O Exorcista - O Início (2004).

. O Livro Legion, de autoria de Peter Blatty, serviu como base para O Exorcista III. Apesar de ser uma sequência direta da obra original, não há exorcismo na história. Porém, por exigência do estúdio, o ritual fora incluído no roteiro do filme, escrito e dirigido pelo próprio autor. Uma versão diferente foi lançado em DVD.

. A história real na qual William Peter Blatty baseou o romance (que deu origem ao longa) fora documentada em livro pelo escritor Thomas B. Allen. O volume saiu no Brasil pela Darkside Books. O exorcismo fora realizado em um jovem de Cottage City, Maryland, em 1949 pelo padre jesuíta, Pe William S. Bowdern, que anteriormente tinha ensinado em ambas Universidade de St. Louis e St. Louis University High School. A família católica da Hunkeler estava convencida de que o comportamento agressivo da criança era atribuível a possessão demoníaca, e chamou os serviços do Padre Walter Halloran para realizar o ritual. O livro contém páginas do diário do padre.




. Em 2000, o telefilme Possuído Pelo Demônio,  com Timothy Dalton e Christopher Plummer contou a verdadeira história do garoto possuído. A direção é do veterano Roteirista Steven E. de Souza.

. Motivados pelo sucesso da versão do diretor, os produtores encomendaram um novo filme que contasse como foi o exorcismo conduzido pelo Padre Merrin. A versão dirigida por Paul Schrader não foi aprovada pela Morgan Creek, que contratou Henny Harlin para dar um aspecto mais aterrorizante ao material. Ambas as versões viram a luz do dia: Dominion: Prequel to the Exorcist e O Exorcista - O Início.

. Em 23 de setembro de 2016, estreou uma série homônima no canal Fox, que tem uma vaga relação com o clássico original.




Trailer:




Trailer - versão do diretor:

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